Seminário Mapa Yvyrupa: Cartografia Digital do Território Guarani
CARTA PÚBLICA: OS POVOS GUARANI, KAINGANG E XOKLENG-LAKLÃNÕ E OS DIREITOS INDÍGENAS
Nós, xeramoi, lideranças, jovens, professores, pesquisadores e alunos Guarani do Curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC, professores, pesquisadores e alunos Kaingang e Xokleng-Laklãnõ do mesmo curso, não indígenas de várias instituições e organizações, reunidos em Florianópolis (SC), nos dias 14 e 15 de outubro de 2016, durante o Seminário Mapa Yvyrupa: Cartografia Digital do Território Guarani, promovido pela UFSC, CTI SP, IPHAN, Comissão Guarani Yvyrupa e Comissão Nhemonguetá, nos manifestamos a respeito das graves ameaças que atualmente pairam sobre o povo Guarani e que podem representar um ataque definitivo aos direitos dos povos indígenas de todo o Brasil, garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Estamos nos posicionando, mais uma vez, pelos direitos territoriais dos povos indígenas, a favor da agilização e efetivação dos processos demarcatórios de terras indígenas.
Somos contrários ao estabelecimento do “marco temporal” como baliza para as demarcações, pois impõe, em termos práticos, a revogação total dos direitos territoriais indígenas conquistados a partir da nossa Constituição. Representa a negação completa do direito originário – anterior à própria constituição do Estado brasileiro – dos povos indígenas a suas terras tradicionalmente ocupadas. Acentuamos que o marco temporal não tem fundamento histórico, sociológico ou antropológico aceitável e que constitui, na verdade, parte de uma estratégia de grupos ligados ao setor ruralista para barrar o processo de reparação às comunidades indígenas prejudicadas. Conclamamos a todos os integrantes do Poder Judiciário, comprometidos com a defesa do Estado Democrático de Direito, que tomem medidas para barrar o avanço na adoção do “marco temporal”.
Acentuamos que estamos nos referindo apenas a um dentre vários elementos de uma ofensiva muito mais ampla contra os povos indígenas do Brasil, neste momento em que o país vive uma transição política tão delicada. Pensamos que os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – devem se articular em defesa dos direitos indígenas. Enquanto o Judiciário revê os processos demarcatórios a partir do princípio do marco temporal, o Legislativo persegue profissionais e instituições indigenistas por meio de Comissões Parlamentares de Inquérito, como a da Funai Incra, e discute medidas como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que representa também uma ameaça ao direito indígena ao território. O Executivo, por sua vez, atua no sentido de permitir a criminalização de lideranças do movimento indígena e promove o sucateamento da Funai, asfixiando-a com cortes sucessivos em seu orçamento e quadro técnico e, por conseguinte, inviabilizando o cumprimento de suas obrigações constitucionais.
Diante do exposto, conclamamos a todos os brasileiros e brasileiras para que nos empenhemos junto aos povos Guarani, Kaingang e Xokleng-Laklãnõ e todos os demais povos indígenas na defesa de seus direitos, para a construção de uma sociedade justa, democrática, multicultural e pluriétnica.
Florianópolis, 15 de outubro de 2016.