Nota de repúdio e Apoio às Manifestações da Apib, ANMIGA, Instituto Kaingang, Cimi-Sul e ABA sobre a Violência na Terra Indígena Serrinha (RS)
Basta de arrendar vidas indígenas!
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul) denunciam a omissão do Governo Federal sobre as práticas criminosas de arrendamento cometidas em Terras Indígenas do povo Kaingang, no Rio Grande do Sul (RS). Um processo que coopta e corrompe lideranças colocando indígenas contra indígenas em uma política de violência incentivada pelo atual Governo, fomentada pelo agronegócio e que gera mortes.
Repudiamos de forma veemente toda violência que tem acontecido nas TIs Serrinha, Nonai, Ventana, Carreteiro e Guarita, no Rio Grande do Sul, que ameaçam as vidas dos velhos, crianças, mulheres e homens do povo kaingang.
Nos solidarizamos com as famílias que perderam seus parentes assassinados e com as pessoas expulsas de suas casas, neste sábado (16), para a violência alimentada pelo agronegócio com o arrendamento de parte da TI Serrinha, localizada no município de Ronda Alta (RS), para o plantio de soja.
Alertamos sobre a necessidade das instituições de controle e fiscalização do Estado agirem imediatamente para impedir o avanço da violência nas TIs do Rio Grande do Sul. Basta de abandono do Estado, conivência com o roubo de terras e basta de mortes. É preciso impedir que os arrendamentos sejam legalizados com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 187, que tramita no Congresso Nacional e pretende legalizar a prática em todo o país. A proposta ruralista é mais uma ameaça aos direitos constitucionais dos povos indígenas e pode agravar ainda mais o quadro de violências contra os povos originários.
“Desde a época do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) o arrendamento das Terras Indígenas no Sul é feito com o incentivo do Estado e quem era contra acabava sendo assassinado, expulso ou preso. Depois com a Funai (Fundação Nacional do Índio), na década de 70, as violências continuaram. A partir da década de 80 o povo Kaingang começou a praticar arrendamento e os conflitos seguem até os dias atuais com o agravamento da violência política alimentada pelo agronegócio que arma milícias para perseguir e matar nossas lideranças”, alerta Kretã Kaingang, coordenador executivo da Apib.
Se nós não enfrentarmos o Estado, se nós não enfrentarmos os políticos, se nós não enfrentarmos o agronegócio nós não vamos conseguir parar com os arrendamentos e com os conflitos nas terras indígenas.
Sangue indígena nenhuma gota a mais!
Manifesto das mulheres da Rede ANMIGA
Pela vida das mulheres: CHEGA DE VIOLÊNCIA CONTRA O CORPO TERRITÓRIO DAS MULHERES INDÍGENAS
Poucos dias depois da nossa maior celebração de força das Mulheres Indígenas na II – Marcha das Mulheres realizada em setembro de 2021.
Nós, Mulheres Indígenas nos deparamos ontem, hoje e amanhã com a tamanha violência ocorrida com as nossas parentas no sul do Brasil.
A violência é nossa inimiga e adversária de bem-estar das mulheres dentro dos seus territórios, somos em muitas lutas em âmbito nacional e internacional. Somos sementes plantadas através de nossos cantos por justiça social, por demarcação de território, pela floresta em pé, pela saúde.
Somos mais de 305 Povos, falantes de 274 línguas. Somos aproximadamente 900 mil indígenas, sendo 448 mil mulheres. Nós, Mulheres Indígenas, lutamos pela demarcação das terras indígenas, contra a liberação da mineração e do arrendamento dos nossos territórios, contra a tentativa de flexibilizar o licenciamento ambiental, contra o financiamento do armamento no campo.
Enfrentamos o desmonte do nossos direitos.
Por isso manifestamos a nossa solidariedade a todas as irmãs Kaingang da comunidade/aldeia Serrinha que não ficaremos caladas.
Como calar diante de um ataque? Diante de um Genocídio que faz a Terra gritar mesmo quando estamos em silêncio?
Em favor da vida e contra as constantes violações e violência com os corpos território das mulheres e seus direitos, aprofundadas no contexto do arrendamento de terras indígenas, é urgente fortalecer o cuidado com a saúde e defesa de vida das parentas através de rede de apoio e parceiros.
Convocamos MPFs e demais autoridades, que comparecem e clamamos por justiça em favor da vida dos parentes.
Mulheres terra, mulheres água, mulheres biomas, mulheres espiritualidade, mulheres árvores, mulheres raízes, mulheres sementes e não somente mulheres guerreiras da ancestralidade.
#MarcotemporalNÃO🏹
#ArrendamentoMata🏹
#VidasIndígenasImportam🏹
#LutaPelaVida🤝🏽🏹🏹
NOTA DE REPÚDIO CONTRA TODO ATO DE VIOLÊNCIA NA TERRA INDÍGENA SERRINHA – INSTITUTO KAINGÁNG
A Organização Indígena Instituto Kaingáng – INKA, vem a público, repudiar veementemente todo e qualquer ato de violência física, cárcere privado, intimidações, tortura, morte e toda a forma de opressão contra velhos, crianças, mulheres e homens indígenas do povo Kaingáng, moradores da Terra Indígena Serrinha (RS) onde a sede do INKA está localizada e atua pacificamente com educação e cultura indígena na região há quase 20 anos.
O INKA não compactua com nenhuma forma de mal e vem buscando durante sua caminhada a revitalização, o fortalecimento e a valorização da cultura Kaingáng, onde nessa base encontra-se o respeito aos nossos velhos, onde reside a sabedoria do povo Kaingáng.
Episódios de violência aberta e deliberada de caráter político interno na Terra Indígena Serrinha vem se estendendo por meses, acirrada com a morte do cacique Ronaldo Claudino em julho de 2020, ainda que muitas medidas tenham sido tomadas na forma de denúncias realizadas pelas vítimas desse atos, quer pela mídia, pelo clamor popular de indígenas durante esse tempo ou pelo acionamento jurídico e de direito contra essas forças, além do alerta junto a organizações como a Funai, Ministério Público Federal, Justiça Federal e outras tenha sido declarado, a violência e a truculência do poder político interno permanece se impondo na Terra Indígena Serrinha, onde a própria sede do INKA no local já mostra indícios de depredação.
O INKA é gerido exclusivamente por mulheres indígenas Kaingáng e dessa forma, por razões, inclusive de gênero, vem tornar público que membros do INKA, mulheres, idosas e crianças foram alvo das chamadas “transferências”, atos cruéis, coordenados a mando da liderança culturalmente corrompida do local onde indígenas são forçados a saírem de suas casas, abrindo mão de sua dignidade, muitos apenas com a própria roupa do corpo, com seus bens atirados em caminhões, debaixo de humilhações e sofrendo inclusive risco de morte, como de fato ocorreu em Serrinha nesta data.
Dentre os indígenas de Serrinha expulsos, está a presidente do INKA e coordenadora do Ponto de Cultura Kanhgág Jãre, a educadora indígena Andila Kaingáng, anciã do povo Kaingáng e uma das últimas matriarcas da grande família Inácio, que participou ativamente da retomada de Serrinha e que reivindica na justiça a concessão de medida de segurança a fim de retirar móveis e pertences pessoais como também da Organização Indígena que preside.
Também foram expulsos alguns integrantes da diretoria do INKA entre profissionais da Saúde, Direito, Educação, e artistas e artesãos que atuam em projetos desenvolvidos pela instituição e que contribuem em ações educativas em prol do povo Kaingáng há vários anos no local, entre mulheres, crianças e jovens como Vãngri Kaingáng, Siratan Katir, Susana Kaingáng, Fernanda Kaingáng, Tenh Inácio Sales, Arian Kãgfér, Camila Candinho, Joféj Candinho, Elisane Loureiro e outros.
No início de 2021, o INKA, juntamente com alguns destes indígenas, que em sua maioria trabalham com artesanato na Serrinha, estiveram realizando o trabalho “Expressões Culturais Tradicionais do Povo Kaingáng”, onde também estavam presentes muitos dos velhos que ainda sobrevivem guardando as tradições e valores Kaingáng, como a nossa anciã Alsira Inácio, que faleceu adoecida, pouco tempo depois na Terra Indígena Serrinha pelas pressões exercidas e agravadas pelos conflitos internos que poderiam ter sido evitados pela justiça, que no Brasil é falha e tardia.
Outros agentes culturais que integraram diversos trabalhos educativos do INKA sofreram agressões físicas, tendo sua liberdade privada na aldeia Serrinha, sofrendo espancamentos nas conhecidas “cadeias”, como o indígena chamado por Gueli, Valdir Mig Carvalho, artesão kaingáng na Terra Indígena Serrinha, preso no banheiro do ginásio da aldeia, usado como cárcere, nesta última quarta (13), junto com sua esposa Patrícia Candinho e Sidinei Inácio, também artesãos. Estes locais degradantes continuam a ser defendidos como culturais, inclusive recentemente pela liderança de Serrinha em discurso para mídia local, sustentando tal argumento perverso mesmo sendo convocado para explicar a morte de jovens indígenas Kaingáng queimados vivos na comunidade onde ele não reside.
O INKA, até mesmo em suas ações para distribuição de cestas básicas para o povo indígena da Serrinha durante a pandemia, inadmissível em uma terra com milhares de hectares em perfeitas condições de plantio, realizou as entregas sob o olhar de integrantes do poder político interno em tom perfurante.
O INKA, mesmo cerceado nesse tempo, permanece acreditando no poder transformador da cultura e da educação indígena e mesmo não atuando de maneira direta com temas como o combate à violência, crimes e outras formas de opressão que vem ocorrendo na Terra Indígena Serrinha, buscou de inúmeras formas, principalmente a partir de seus membros, redes de apoio, denúncias e toda espécie de ajuda para auxiliar os indígenas vítimas de toda a sorte de males no local.
É assim que o INKA vem manifestar-se, usando da publicação desta nota em sua página oficial na internet, para clamar por justiça e repudiar todos os atos de violência e morte contra indígenas do povo Kaingáng na Terra Indígena Serrinha, contra toda a forma de mal que vem sendo empregada, contra a corrupção de lideranças indígenas no lugar, contra a opressão à mulheres indígenas, idosos, crianças e homens que tem clamado por paz e pela divisão justa e equitativa das terras na aldeia Serrinha, onde o INKA tem se firmado pela força da educação e da cultura indígena Kaingáng, com uma atuação de frutos visíveis para todos aqueles que se dispuserem a buscar e acessar informações sobre o trabalho do INKA, que por meio do Ponto de Cultura Kanhgág Jãre, o 1⁰ Ponto de Cultura em uma Terra Indígena do Brasil, tem levado a cultura Kaingáng por onde vai, há quase 20 anos.
Gratidão a Topẽ que tem nos mantido vivas nesse tempo e lamentamos profundamente todos estes acontecimentos. Pedimos que compartilhem esta nota se assim desejarem.
Organização Indígena Instituto Kaingáng, 16 de outubro de 2021.
Nota do Cimi Regional Sul em repúdio às violências em terras indígenas
Os que arrendam as terras indígenas precisam ser responsabilizados pelos crimes e pelo incentivo, de fora para dentro das comunidades, à violência. Fechar os olhos para os crimes é avalizá-los
Arrendamentos da morte!
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Sul vem a público denunciar as práticas criminosas de arrendamentos de terras indígenas que desencadearam, nos últimos meses, uma série de violências em áreas Kaingang no Rio Grande do Sul.
Há registros de conflitos internos, em função dos arrendamentos, nas terras de Nonoai, Serrinha, Ventara, Carreteiro e Guarita.
Não se pode mais continuar tapando o sol com a peneira. Ou os órgãos de controle e fiscalização da lei agem ou se tornarão cúmplices da exclusão, da fome, do abandono e das mortes nas terras indígenas.
É chegado o momento de se reverter o quadro perverso de esbulho e violência e começar a identificar e processar os que se beneficiam da produção de soja transgênica dentro das áreas indígenas. São grupos de pessoas que há décadas exploram os bens da União, terras que deveriam ser destinadas ao usufruto exclusivo dos povos. Os que arrendam as terras indígenas precisam ser responsabilizados por esses crimes e pelo incentivo, de fora para dentro das comunidades, à violência. Fechar os olhos para os crimes é o mesmo que avalizá-los.
O Cimi Sul repudia veementemente todas práticas de violência internas e externas. Mas esse dia, 16 de outubro de 2021, ficará marcado como um dos mais sombrios e cruéis da história recente dos povos originários. Há notícias de que quatro pessoas foram assassinadas, como resultado de um conflito interno, dentro da Terra Indígena Serrinha, município de Ronda Alta, no norte do Rio Grande do Sul. Muitas outras acabaram sendo espancadas, aprisionadas e tudo para saciar a saga do lucro e da ganância sobre os bens indígenas.
O Cimi Sul denuncia essa prática de esbulho e as violências contra a vida dela decorrentes. Denuncia, também, a omissão e negligência, premeditada ou não, dos órgãos públicos que deveriam atuar no sentido de proteger os bens da União e manter em segurança as comunidades.
O Cimi Sul, diante da antipolítica indigenista que incentiva a exploração das áreas, se coloca de forma radical contra toda e qualquer perspectiva de uso das terras, seja por meio de arrendamentos, parcerias agrícolas ou outras formas de esbulho.
O Cimi Sul solidariza-se com as vítimas das violências, mas, especialmente hoje, repudia a covardia dos crimes e manifesta seus pêsames aos familiares daqueles que foram assassinados.
Há que se dar um basta aos arrendamentos, essas práticas que excluem, marginalizam e matam os filhos da mãe terra.
Chapecó, SC, 16 de outubro de 2021
Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul
A ABA solicita ações imediatas dos poderes públicos para conter a grave situação de violência na Terra Indígena Serrinha, RS
A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), com sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI), vem a público manifestar a sua grande preocupação com a situação de extrema violência na Terra Indígena Serrinha, no Rio Grande do Sul. Esta semana nos chegou pelas mídias e por testemunhos de indígenas da região, notícias sobre uma escalada de ameaças de morte, que ao que consta culminou com os assassinatos de pelo menos três indígenas até este domingo, dia 17 de outubro.
Divulgou-se amplamente nas mídias sociais desesperados pedidos de socorro dos indígenas, muitos deles acompanhados de relatos sobre ameaças de morte, sem que nenhuma ação oficial tenha sido encaminhada para lhes assegurar a proteção necessária pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Ministério Público Federal (MPF) e/ou Polícia Federal (PF), apesar da situação de conflito já ser de amplo conhecimento de todas as instituições. E o que inicialmente eram ameaças materializou-se em mortes e um contexto de violências que dificilmente se estancará se não houver ações imediatas dos poderes públicos.
O pano de fundo destes conflitos se assenta em uma realidade permeada por ilegalidades em relação aos arrendamentos de terras indígenas para a produção extensiva de grãos, que se iniciou com o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), foi referendada pela FUNAI, e tem se intensificado com as políticas e ações do atual governo federal, para entregar as terras indígenas ao agronegócio. Esses arrendamentos realizados ilegalmente com empresários do agronegócio têm causado alta concentração de terra nas mãos de poucas famílias, alto grau de contaminação pelos insumos agrotóxicos, desmatamentos, comprometimento da autosustentação alimentar de parcelas da população, além de sucessivos conflitos entres os núcleos domésticos Kaingang, especialmente com aqueles núcleos que não aceitam e discordam dos arrendamentos.
A ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas solicitam dos órgãos competentes, Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Ministério Público Federal (MPF) e Política Federal (PF) que: (a) as instituições do Estado estejam presentes para garantir a segurança física e social dos indígenas na região; e (b) todas as ações ilegais sejam apuradas e os crimes esclarecidos com urgência. A Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que visite o local para apurar as responsabilidades dos órgãos do Estado em todo o processo.
Esperamos que a situação de ilegalidade atual seja estancada, de tal modo que os próprios Kaingang possam encontrar as suas formas próprias de resolução de conflitos. Solicitamos que o assédio e a violência constante bem como as pressões externas ameaçadoras e ilegais de particulares interessados nos arrendamentos não possam mais se manter a partir das garantias a serem oferecidas pelas instituições do Estado.
Brasília, 18 de outubro de 2021.
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas – CAI
ANÚNCIO DE APROVAÇÃO DE CURSO E NOTA DE AGRADECIMENTO
Dia 25 de agosto de 2021.
É com imensa alegria que hoje, dia 25 de agosto de 2021, comunicamos a aprovação de nosso Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica pela Câmara de Ensino de Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina! Nosso curso agora é permanente nesta universidade! A UFSC também é Indígena! Teremos em nosso curso entradas quadrienais, garantindo aos povos Guarani, Kaingang e Laklãnõ/Xokleng o acesso a um curso específico e diferenciado de formação de professores indígenas para suprir as demandas nas aldeias no fortalecimento dos currículos diferenciados de suas escolas, conforme garante a Constituição Federal de 1988 e legislação infraconstitucional.
Dia histórico para nós, pois é hoje também que está novamente em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) a retomada do debate e a votação sobre o “marco temporal”, em processo específico de análise da ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Laklãnõ/Xokleng, referente à Terra Indígena Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. O processo tem “repercussão geral” desde 2019, portanto, sua decisão servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito à demarcação de terras indígenas no país. Sua importância recai também sobre todas as propostas legislativas referentes aos direitos territoriais dos povos originários.
O eixo integrador de nosso curso de Licenciatura Intercultural Indígena é Territórios e
Conhecimentos Indígenas no Bioma Mata Atlântica – reforçando o nosso reconhecimento sobre a importância dos territórios para os povos originários e somando-se à luta por seus direitos territoriais.
Neste dia de luta e comemoração, agradecemos publicamente a todos, todas e todes na força conjunto em construir o curso de Licenciatura Indígena na UFSC nos últimos 10 anos, em que o nosso curso viu nossa rede crescer na UFSC. Contamos hoje com uma rede de treze Departamentos aos quais oferecemos nossa gratidão: História, Antropologia, Museologia, Direito, Ecologia e Zoologia, Geociências, Metodologia de Ensino, Estudos Especializados em Educação, Engenharia Sanitária e Ambiental, Psicologia, Libras, Artes, Língua e Literatura Estrangeira.
Também importante ressaltar nosso agradecimento à construção conjunta e ao apoio das Secretarias de Estado da Educação de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, ao PROLIND/MEC, à FUNAI.
Por fim, ressaltamos o esforço da direção do CFH, do Gabinete da Reitoria, do DEN, da PROGRAD e da Câmara de Ensino de Graduação nesta importante aprovação, tecendo junto com esta coordenação de curso e os 13 departamentos, cursos e docentes que atuam neste grande movimento que marca o compromisso institucional e pessoal em garantir uma universidade pública diversa para todos, todas e todes.
Coordenação da Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica
NOTA DE PESAR
A equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, da Universidade Federal de Santa Catarina, vem a público manifestar seu sentimento de consternação quanto ao falecimento do SENHOR ALFREDO PATTÉ, LAKLÃNÕ-XOKLENG DA TERRA INDÍGENA LAKLÃNÕ, na data de 12 de agosto de 2021. Lamentável perda para a sua grande família e para o povo Laklãnõ-Xokleng.
O Senhor Alfredo Patté, ancião e sábio, era precisamente uma das últimas grandes referências de “ancestralidade viva” do povo Laklãnõ-Xokleng. Profundo conhecedor da cultura, foi muito procurado como interlocutor por nossas então alunas e alunos da primeira e segunda turmas para as pesquisas e Trabalhos de Conclusão de Curso e análises em geral.
Acir Caile Priprá, neto, ressaltou seus ensinamentos e conselhos, seu exemplo, relembrando outrora ter sido professor. Dignifica-o como herói. O neto Eliton Pique acentuou a trajetória de muita luta de seu avô pela garantia da terra. Foi notória a participação do Senhor Alfredo Patté nos trabalhos para identificação e delimitação da terra indígena, em 1998 (PEREIRA, Walmir da Silva (coord.). Laudo antropológico de identificação e delimitação de terra de ocupação tradicional Xokleng. História do contacto, dinâmica social e mobilidade indígena no sul do Brasil. Relatório referente as Portarias 923/PRES/97 e 583/PRES/98 – Grupo Técnico para reestudo da delimitação da TI Ibirama. Porto Alegre, FUNAI, 1998). A portaria declaratória do Ministério da Justiça foi assinada em 2003.
O Senhor Alfredo Patté também participou ativamente de debates a respeito da criação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica. Em 2007, por exemplo, integrava o grupo de reflexões a respeito na própria terra indígena, manifestando claramente o seu interesse e a importância da formação de professores Laklãnõ-Xokleng, visando o empoderamento de verdadeiras escolas indígenas a fortalecer os direitos culturais e territoriais do povo.
Uma significativa perda. Por demais lamentável as três partidas tão recentes: Nanblá Gakran, Aniel Priprá e Alfredo Patté, marcando sentimento de orfandade e saudade em muitos. Todavia, a trajetória segue adiante. Com tenacidade, perseverança e dignidade.
Expressamos nosso reconhecimento, valorização e pesar, junto com nosso profundo agradecimento por todo aprendizado e legado, a ser perpetuado.
Equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica.
UFSC, 13 de agosto de 2021.
Nota de Repúdio e Apoio ao Manifesto das Mulheres Indígenas do Brasil contra a barbárie cometida à jovem Daiane Kaingang, de 14 anos
A Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina vem a público manifestar sua total indignação com o ato de extrema violência contra a vida da jovem Daiane Kaingang de apenas 14 anos. Daiane foi brutalmente violentada, assassinada e teve seu corpo dilacerado na tarde do dia 04 de agosto na Terra Indígena Guarita, Rio Grande do Sul. O crime praticado contra as mulheres indígenas é inaceitável e deve ser investigado e punido. A violência contra os povos indígenas e as mulheres indígenas em especial é um triste marco da história.
Basta de violência!
É preciso que todes lutem contra a violência e a favor da vida indígena.
Vidas indígenas importam!
Daiane Kaingang, presente!
Florianópolis, 05 de agosto de 2021.
Coordenação Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica
Universidade Federal de Santa Catarina
Juliana Salles Machado
Evelyn Schuler Zea
Maria Dorothea Post Darella
Natalia Hanazaki
Murilo Mariano
Manifesto das Mulheres Indígenas do Brasil contra a barbárie cometida à jovem Daiane Kaingang, de 14 anos
A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), viemos por meio deste manifesto repudiar e denunciar o crime de barbárie cometida na tarde desta quarta-feira (04), no Setor Estiva, da Terra Indígena do Guarita, no município de Redentora, contra a jovem de apenas 14 anos, Daiane Griá Sales, indígena Kaingáng, moradora do Setor Bananeiras da Terra Indígena do Guarita. A jovem Daiane foi encontrada em uma lavoura próxima a um mato, nua e com as partes inferiores (da cintura para baixo) arrancadas e dilaceradas, com pedaços ao lado do corpo.
Temos visto dia após dia o assassinato de indígenas. Mas, parece que não é suficiente matar. O requinte de crueldade é o que dilacera nossa alma, assim como literalmente dilaceraram o jovem corpo de Daiane, de apenas 14 anos. Esquartejam corpos jovens, de mulheres, de povos. Entendemos que os conjuntos de violência cometida a nós, mulheres indígenas, desde a invasão do Brasil é uma fria tentativa de nos exterminar, com crimes hediondos que sangram nossa alma. A desumanidade exposta em corpos femininos indígenas, precisa parar!
Estamos aqui, reivindicando justiça! Não deixaremos passar impune e nem nos silenciarão. Lutamos pela dignidade humana, combatendo a violência de gênero e tantas outras violações de direitos. As violências praticadas por uma sociedade doente não podem continuar sendo banalizadas, naturalizadas, repleta de homens sem respeito e compostura humana, selvageria, repugnância e macabrismo. Quem comete uma atrocidade desta com mulheres filhas da terra, mata igualmente a si mesmo, mata também o Brasil.
Mas saibam que o ÓDIO não passará! Afinal, a violência praticada não pode passar impune, nossos corpos já não suportam mais ser dilacerados, tombado há 521 anos. Que o projeto esquartejador empunhado pela colonização, violenta todas nós, mulheres indígenas há mais de cinco séculos.
Somos 448 mil Mulheres Indígenas no Brasil que o estrupo da colonização não conseguiu matar e não permitiremos que a pandemia da violência do ódio passe por cima de nós.
Parem de nos matar! A cada mulher indígena assassinada, morre um pouco de nós.
Vidas indígenas importam. Gritaremos todos os dias, a cada momento, vidas indígenas importam. E a vida de Daiane importa. Importa pra sua família, para seu povo. Importa para nós mulheres indígenas.
Somos todas Daiane Griá Kaingang!
Exigimos justiça!
Assinam o manifesto: ANMIGA – APIB – ARPINSUL
Leia nota completa da Anmiga (@anmiga): https://bit.ly/JustiçaDaiane
NOTA DE PESAR
A Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC comunica com profundo pesar a partida do prof. Dr. NANBLÁ GAKRAN no dia 26/06/2021.
A vida se extinguiu aqui, a passagem se fez num de repente. O choque, a dor, a ausência se estabeleceram e permanecerão na família, na aldeia, na terra indígena, na educação escolar indígena Laklãnõ/Xokleng, na universidade e em muito mais.
A trajetória foi tanto árdua quanto de muitas conquistas do defensor pioneiro de luta pela valorização da Língua Laklãnõ/Xokleng.
A Licenciatura Indígena da UFSC presta sua homenagem ao professor de Lingua Laklãnõ-Xokleng da primeira e segunda turmas do Curso. O empenhado professor doutor em Linguística pela UnB, orgulho do povo Laklãnõ-Xokleng, dos povos indígenas no Brasil.
A Licenciatura Indígena da UFSC se solidariza e deseja conforto, serenidade e força aos filhos e familiares.
Utate, Nanblá!
Equipe de Coordenação do Curso Licenciatura Indígena e demais Coordenações anteriores.
27 de junho de 2021.
Lançamento da coleção “AÇÕES E SABERES GUARANI, KAINGANG E LAKLÃNÕ-XOKLENG EM FOCO: PESQUISAS DA LICENCIATURA INTERCULTURAL INDÍGENA DO SUL DA MATA ATLÂNTICA”
Acesse aqui YouTube
Mesa Redonda – Políticas Linguísticas
Nota de repúdio à homenagem feita a Natale Coral, assassino de indígenas (que “trazia a orelha dos índios na salmoura, só pro riso”)
A equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC recebeu com indignação a notícia que na noite de 28 de dezembro de 2020, Nova Veneza, cidade sul catarinense, inaugurou uma praça em homenagem a seu fundador, Natale Coral.
Nascido na Itália em 1859 e falecido no Brasil em 1911, Natale Coral é figura reconhecida em Nova Veneza, por sua fundamental contribuição à formação da colônia.
De acordo com o Portal Veneza (portalveneza.com.br) a obra será completada com um memorial, duas rosas dos ventos e “Na parte superior, na posição vertical uma baliza topográfica em forma de flecha, representará o povo indígena que vivia nestas terras.”
Em um momento histórico no qual pelo mundo todo vemos a remoção e o questionamento acerca de monumentos em homenagem a ditos “heróis”, responsáveis por atos genocidas do passado, ao receber a notícia desta homenagem nos perguntamos: Por que? Para que? A homenagem a Natale Coral em praça pública nos parece um negacionismo histórico dos crimes cometidos pelo fundador, e nos provoca novamente o questionamento sobre o lugar dos ditos “heróis” na nossa sociedade atual. A referência genérica a um povo indígena colocado no passado é mais um indício da continuidade da disseminação de visões racistas. A flecha equivale a uma enevoada lembrança do passado da região? Indígenas? Qual povo indígena?
Trata-se daqueles que os imigrantes e seus descendentes denominaram pejorativamente como bugres. Trata-se, em realidade, dos Laklãnõ-Xokleng, povo caçador, pescador, coletor, que à época vivia em grupos num imenso território de ocupação abrangendo desde o Rio Grande do Sul ao Paraná. Sim, eram ocupantes que antecederam os imigrantes desbravadores do sul catarinense e que atualmente vivem no Alto Vale do Itajaí e norte do Estado, nas Terras Indígenas Laklãnõ e Rio dos Pardos. São um povo com história de longa duração.
E que associação há entre Natale Coral e indígenas que o município quer que sejam lembrados na praça em sua homenagem?
Relatos e registros enunciam que o homenageado era um dos “bugreiros”, caçadores de índios, figuras que protagonizaram horror e morte nos acampamentos Xokleng, entre fins do século XIX e início do século XX. Essa conduta bárbara não condiz com civilidade, com humanismo. Não condiz com homenagem póstuma. Praças, estátuas, bustos são formas de solidificar símbolos e assim dar continuidade a memórias, fortalecendo visões e narrativas históricas. Os fatos históricos não mudam, mas nós podemos mudar quem escolhemos como heróis para o nosso presente e para o nosso futuro.
Escreveu o professor historiador e antropólogo Silvio Coelho dos Santos, da UFSC, referência na Etnologia Indígena brasileira, sobretudo a partir de suas pesquisas junto aos Xokleng a partir da década de 1960, falecido em 2008: “No sul do Estado, Natal Coral, Maneco Ângelo e um tal Veríssimo, entre outros, tornaram-se famosos como líderes das ‘batidas’ e pela violência com que assaltavam os acampamentos dos índios” (SANTOS, 2007, p. 75). Relatou Ireno Pinheiro, famigerado “bugreiro” que atuou em outras regiões de SC, como Santa Rosa de Lima: “Besteira foi o que fez o Natal Coral. Quando voltava de uma batida, trazia a orelha dos índios na salmoura, só pro riso. Mas depois os colonos só queriam pagar com a prova das orelhas, e ele se aborreceu, parou até que os índios já estavam ficando cada vez mais raros” (SANTOS, 2007, p. 118).
Do livro do Padre João Leonir Dall’Alba, intitulado Histórias do Grande Araranguá, advém informações de moradores de Nova Veneza por ele entrevistados nas décadas de 1970 e 1980. Seguem memórias de dois deles – José Gava e Marino Gava. Segundo José Gava, 85 anos, entrevistado em 1978: “Dizem que o local onde encontraram os bugres foi lá perto de Palermo. Trouxeram um saquinho de orelhas. Talvez é demais, mas… Também naquela vez trouxeram dois filhotes. Prático caçador e chefe de turma era o Natal Coral. Esse foi flechado nas costas, mas a flecha só atingiu o saco de roupa que ia carregando, uma mala do tempo antigo.” (DALL’ALBA, 1997, p.383). De acordo com Marino Gava, 73 anos, entrevistado em agosto de 1986: “De caçador de índios só sei do Coral. Só numa vez teria matado cem índios, trazendo duzentas orelhas para o diretor da Empresa de Nova Veneza. Como tinham combinado 2 mil réis por orelha a Empresa Nova Veneza deveria dar-lhe a fortuna de 400 mil réis. Para não pagar foi ameaçando: ‘Fiquem quietos. Isto é proibido. Se o governo souber vocês vão todos para a cadeia.’” (DALL’ALBA, 1997, p. 389).
Há ainda outros nomes de bugreiros, como Zé Domingo e Martinho Marcelino de Jesus (conhecido como Martin Bugreiro), este último lembrado e temido no Vale do Itajaí. Seus próprios relatos são aterrorizantes, inconcebíveis, inadmissíveis, a expressar verdadeiro genocídio.
Temos, portanto, uma nova praça em Nova Veneza que comemora um “bugreiro”. São estes símbolos, estas memórias que os cidadãos e turistas que chegam em Nova Veneza querem carregar para o seu futuro? Visões de genocídio, visões racistas? Temos um povo indígena que tenazmente sobrevive, lembrando o que os antepassados relataram sobre os bugreiros. E temos, a rigor, um novo tempo a solicitar reconhecimento da história e atiçamento da memória. A requerer indignação, revolta e austeridade frente aos fatos, à atrocidade. Qual patrimônio histórico queremos referenciar para o nosso futuro?
É tudo e nada. Tudo a aprender e se posicionar. Nada a se omitir e negligenciar.
Equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina.
Fevereiro de 2021.
Referências bibliográficas
DALL’ALBA, João Leonir. Histórias do Grande Araranguá. Araranguá (SC): Gráfica Orion Editora, 1997.
SANTOS, S. C. dos. Ensaios oportunos. Florianópolis: Academia Catarinense de Letras, 2007.