Algumas palavras de até logo
O projeto “Este lugar também é seu: uma contribuição para a permanência de acadêmicos indígenas na UFSC!”, iniciado no ano de 2016, foi idealizado a partir de dois aspectos principais:
1) O compromisso com o respeito às crianças e à infância.
2) O conhecimento de uma realidade que exigia encaminhamentos: as crianças, filhas de estudantes da Licenciatura Intercultural Indígena da Mata Atlântica (LLI), da UFSC, acompanhavam suas famílias durante as aulas no Campus Trindade.
Um dos objetivos do projeto era realizar o acolhimento das crianças enquanto seus familiares estivessem em aula, possibilitando a tranquilidade de estudo que os familiares precisavam e o conforto que as crianças mereciam. Afirmamos que este era “um dos objetivos”, porque não era possível pensar simplesmente em “resolver um problema” sem pensar no que isso implicaria. Foi preciso pensar o que significava acolher crianças e o que significava acolher estas crianças, em específico. Foi preciso, também, cuidar para não confundir e não permitir que confundissem este projeto com uma escola paralela às três escolas de educação Infantil que havia no interior do Campus, na época.
A formação como pedagoga e mestre em educação na linha educação e infância e a experiência de 20 anos trabalhando – entre docência e gestão – com a primeira etapa da educação básica contribuíram para elaboração do projeto e sua realização. Também fundamental foi a participação das Técnicas Administrativas em Educação (TAEs) que compuseram a equipe e se engajaram nas atividades. E, ainda, uma conversa inicial com a equipe de coordenação do curso de Licenciatura e com a equipe de gestão do Núcleo de desenvolvimento Infantil (NDI) teve sua contribuição para a elaboração do projeto.
O projeto previa acolher as crianças em lugares que possibilitassem a elas brincadeiras com outras crianças e com brinquedos e materiais variados, projetados para uso por crianças de zero a seis anos; a interação com adultos (TAEs, docentes e estudantes de diferentes graduações) da instituição; o acesso das crianças a conhecimentos produzidos e sistematizados por TAEs, professores e estudantes da UFSC, apresentados de forma lúdica ou adequada à compreensão das crianças da idade em foco; e o uso dos mais variados espaços da UFSC, que apresentassem as condições exigidas pelo projeto. Para tudo isso, era necessário ainda que a equipe estivesse preparada para identificar os lugares adequados e para realizar um acolhimento adequado e respeitoso para as crianças, então, era preciso realizar leituras, discussões e reflexões sobre a cultura indígena e era preciso fazer uma “garimpagem” para identificar espaços, projetos e profissionais que oferecessem as condições exigidas pelo projeto (identificação nem sempre muito fácil) e se dispusessem a contribuir.
Mas, além disso, tínhamos um importante desafio, que faria toda a diferença para o sucesso ou insucesso do projeto: ganhar a confiança das famílias para deixarem seus “bens” tão preciosos – seus filhos pequenos – conosco, e construir uma relação de afeto e confiança com as crianças. Pensando neste desafio, combinamos com a coordenação do curso e famílias que as crianças sempre estariam acompanhadas de uma pessoa da comunidade delas, que faria o papel intitulado pela coordenação e famílias de “cuidadora”.
E assim o projeto iniciou!
O contato inicial da equipe do projeto foi somente com uma cuidadora e as crianças, que timidamente foram se aproximando e se conhecendo. Logo na segunda etapa de acolhimento à equipe do projeto foi convidada a participar da recepção dos estudantes, onde teriam a oportunidade de se apresentar, falar sobre o projeto e ouvir as famílias e estudantes em geral.
Consideramos que este momento importante para o início da construção de um sentimento de confiança por parte das/dos estudantes em geral da Licenciatura e daqueles que tinham interesse ou necessidade de usufruir do que o projeto oferecia. Porém, ressaltamos que esta confiança foi se consolidando, mesmo, no dia a dia, no contato com as famílias, no retorno dado pelas cuidadoras às famílias e a equipe do projeto, no contato com as crianças.
Consideramos as cuidadoras importantes mediadoras entre a equipe e as crianças. Elas contribuíram de forma imprescindível para a construção do vínculo afetivo tão necessário.
Por meio do projeto as crianças indígenas tiveram a oportunidade de conhecer, brincar e interagir com crianças das três escolas de educação infantil localizadas na UFSC; conheceram espaços destinados à infância; interagiram com muitos adultos da comunidade universitária; conheceram e realizaram atividades em laboratórios de química, de física, de animais aquáticos e de insetos; participaram de atividades de projetos relacionados à natureza, ervas medicinais, questões ambientais, capoeira, música e educação física; assistiram ensaio da Orquestra de Câmara da UFSC; participaram de oficina de artes cênicas pensada especialmente para elas; visitaram exposições e participaram de oficina sobre pesquisa arqueológica; passearam pelo Campus Universitário explorando seus espaços, observando suas características, brincando; realizaram atividades lúdicas diversas com a equipe do projeto; participaram do 18º Congresso Mundial de Antropologia (IUAES) e foram tratadas com muito carinho e respeito.
Junto aos momentos de alegria, conversas, aprendizado e muito afeto as crianças foram crescendo e passaram a frequentar a escola de ensino fundamental, o que as fez acompanharem cada vez menos as famílias nas aulas à UFSC. Na etapa de março de 2019, nenhuma criança veio à UFSC, na etapa seguinte, em maio, apenas uma criança veio uma semana inteira e outra veio apenas alguns dias da semana seguinte.
A diminuição da frequência das vindas das crianças foi apresentando um encaminhamento ao projeto, um encaminhamento um tanto quanto difícil para quem construiu uma relação tão afetuosa e de tanta confiança. Era chegado o momento de encerrar o projeto!
A dificuldade deste momento só diminui porque acreditamos que criamos vínculos que serão lembrados para sempre por nós e porque entendemos que alcançamos os objetivos propostos. Proporcionamos certa tranquilidade às famílias que vinham para a UFSC acompanhadas de suas crianças e se dispuseram a apostar em nossa proposta; contribuímos para o curso de Licenciatura Indígena na medida em que ajudamos a resolver um aspecto da especificidade do curso, com o qual a UFSC não tinha se preparado para lidar; e, principalmente, transformamos os momentos das crianças na UFSC em momentos de alegria, cuidado, aprendizado, ampliação de conhecimentos, afeto e interação. Além disso, proporcionamos visibilidade para a presença das comunidades indígenas em diferentes espaços da Universidade, quando buscávamos espaços, projetos, docentes, TAEs e estudantes parceiros para o projeto e quando levávamos as crianças até eles, pois em ambos os momentos falávamos do curso e da importância destes sujeitos – adultos e crianças – no Campus, respondíamos perguntas sobre o curso, sobre a cultura indígena, sobre as diferentes etnias; mediávamos a relação entre as crianças, cuidadoras e parceiros do projeto.
Deste modo, entendemos que contribuímos para tornar a UFSC um lugar também das comunidades indígenas e esperamos que “Este Lugar” se torne cada vez mais deles e de todos!
Se o projeto já não é tão necessário neste momento, sabemos que iniciativas deste tipo poderão ser necessárias mais tarde. Para além disso, sabemos que para muitos grupos, a exemplo dos grupos indígenas, a permanência no espaço acadêmico ainda representa muitos desafios e não é possível depender de iniciativas individuais ou de pequenos grupos para resolvê-los. É necessário uma tomada de decisão institucional para garantir a permanência destes estudantes, se planejando antecipadamente às demandas e, para este tipo de decisão, continuaremos sendo parceiras.
Para finalizar, precisamos fazer alguns agradecimentos:
Em primeiro lugar às famílias que participaram do projeto, pela oportunidade deste convívio e pela confiança que depositaram em nós, e às crianças, que com sua doçura nos fizeram mais doces. Por ambas sentimos uma gratidão imensa!
Agradecemos também às cuidadoras, em especial Maria Lucia Pate – que foi a primeira e a que ficou mais tempo conosco – elas foram fundamentais para alcançarmos os objetivos; à professora Regina Ingrid Bragagnolo que foi nossa parceira por muitas etapas, desde a primeira, e foi quem nos colocou em contato com a coordenação do LLI e com a demanda do curso. Junto à professora Regina, agradecemos o Núcleo de Desenvolvimento Infantil, que foi parceiro em todas as etapas do projeto. Agradecemos ao Centro de Educação Infantil da Associação dos Servidores do Hospital Universitário da UFSC (CEI-ASHU); a escola Flor do Campus; ao Laboratório de Brinquedos do Colégio de Aplicação (LABRINCA); à Sala Verde/UFSC; ao Museu de Arqueologia e Etnologia (MARQUE/UFSC); ao PET de educação física/UFSC; ao Laboratório de Ecologia Terrestre Animal (LECOTA); ao Laboratório de Mamíferos Aquáticos (LAMAQ); à Orquestra de Câmara da UFSC; ao Curso de graduação em arte cênica CCE/UFSC; ao Horto didático do HU/CCS/UFSC; ao Laboratório de ensino, pesquisa e divulgação da ciência (QUIMIDEX); ao Herbário FLOR/UFSC; ao Projeto Capoeira da Ilha, e, por fim, às duas equipes de coordenação do Curso de Licenciatura Intercultural Indígenas da Mata Atlântica/UFSC pelo apoio e confiança.
Um forte abraço da Equipe do projeto “Este Lugar também é seu: uma contribuição para a permanência de acadêmicos indígenas na UFSC”!