Nota de repúdio e Apoio às Manifestações da Apib, ANMIGA, Instituto Kaingang, Cimi-Sul e ABA sobre a Violência na Terra Indígena Serrinha (RS)

20/10/2021 08:35

Basta de arrendar vidas indígenas! 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul) denunciam a omissão do Governo Federal sobre as práticas criminosas de arrendamento cometidas em Terras Indígenas do povo Kaingang, no Rio Grande do Sul (RS). Um processo que coopta e corrompe lideranças colocando indígenas contra indígenas em uma política de violência incentivada pelo atual Governo, fomentada pelo agronegócio e que gera mortes.

Repudiamos de forma veemente toda violência que tem acontecido nas TIs Serrinha, Nonai, Ventana, Carreteiro e Guarita, no Rio Grande do Sul, que ameaçam as vidas dos velhos, crianças, mulheres e homens do povo kaingang.

Nos solidarizamos com as famílias que perderam seus parentes assassinados e com as pessoas expulsas de suas casas, neste sábado (16), para a violência alimentada pelo agronegócio com o arrendamento de parte da TI Serrinha, localizada no município de Ronda Alta (RS), para o plantio de soja.

Alertamos sobre a necessidade das instituições de controle e fiscalização do Estado agirem imediatamente para impedir o avanço da violência nas TIs do Rio Grande do Sul. Basta de abandono do Estado, conivência com o roubo de terras e basta de mortes. É preciso impedir que os arrendamentos sejam legalizados com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 187, que tramita no Congresso Nacional e pretende legalizar a prática em todo o país. A proposta ruralista é mais uma ameaça aos direitos constitucionais dos povos indígenas e pode agravar ainda mais o quadro de violências contra os povos originários.

“Desde a época do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) o arrendamento das Terras Indígenas no Sul é feito com o incentivo do Estado e quem era contra acabava sendo assassinado, expulso ou preso. Depois com a Funai (Fundação Nacional do Índio), na década de 70, as violências continuaram. A partir da década de 80 o povo Kaingang começou a praticar arrendamento e os conflitos seguem até os dias atuais com o agravamento da violência política alimentada pelo agronegócio que arma milícias para perseguir e matar nossas lideranças”, alerta Kretã Kaingang, coordenador executivo da Apib.

Se nós não enfrentarmos o Estado, se nós não enfrentarmos os políticos, se nós não enfrentarmos o agronegócio nós não vamos conseguir parar com os arrendamentos e com os conflitos nas terras indígenas.

Sangue indígena nenhuma gota a mais!


Manifesto das mulheres da Rede ANMIGA
Pela vida das mulheres: CHEGA DE VIOLÊNCIA CONTRA O CORPO TERRITÓRIO DAS MULHERES INDÍGENAS

Poucos dias depois da nossa maior celebração de força das Mulheres Indígenas na II – Marcha das Mulheres realizada em setembro de 2021.
Nós, Mulheres Indígenas nos deparamos ontem, hoje e amanhã com a tamanha violência ocorrida com as nossas parentas no sul do Brasil.

A violência é nossa inimiga e adversária de bem-estar das mulheres dentro dos seus territórios, somos em muitas lutas em âmbito nacional e internacional. Somos sementes plantadas através de nossos cantos por justiça social, por demarcação de território, pela floresta em pé, pela saúde.
Somos mais de 305 Povos, falantes de 274 línguas. Somos aproximadamente 900 mil indígenas, sendo 448 mil mulheres. Nós, Mulheres Indígenas, lutamos pela demarcação das terras indígenas, contra a liberação da mineração e do arrendamento dos nossos territórios, contra a tentativa de flexibilizar o licenciamento ambiental, contra o financiamento do armamento no campo.

Enfrentamos o desmonte do nossos direitos.

Por isso manifestamos a nossa solidariedade a todas as irmãs Kaingang da comunidade/aldeia Serrinha que não ficaremos caladas.

Como calar diante de um ataque? Diante de um Genocídio que faz a Terra gritar mesmo quando estamos em silêncio?

Em favor da vida e contra as constantes violações e violência com os corpos território das mulheres e seus direitos, aprofundadas no contexto do arrendamento de terras indígenas, é urgente fortalecer o cuidado com a saúde e defesa de vida das parentas através de rede de apoio e parceiros.

Convocamos MPFs e demais autoridades, que comparecem e clamamos por justiça em favor da vida dos parentes.

Mulheres terra, mulheres água, mulheres biomas, mulheres espiritualidade, mulheres árvores, mulheres raízes, mulheres sementes e não somente mulheres guerreiras da ancestralidade.

#MarcotemporalNÃO🏹
#ArrendamentoMata🏹
#VidasIndígenasImportam🏹
#LutaPelaVida🤝🏽🏹🏹


NOTA DE REPÚDIO CONTRA TODO ATO DE VIOLÊNCIA NA TERRA INDÍGENA SERRINHA – INSTITUTO KAINGÁNG

A Organização Indígena Instituto Kaingáng – INKA, vem a público, repudiar veementemente todo e qualquer ato de violência física, cárcere privado, intimidações, tortura, morte e toda a forma de opressão contra velhos, crianças, mulheres e homens indígenas do povo Kaingáng, moradores da Terra Indígena Serrinha (RS) onde a sede do INKA está localizada e atua pacificamente com educação e cultura indígena na região há quase 20 anos.

O INKA não compactua com nenhuma forma de mal e vem buscando durante sua caminhada a revitalização, o fortalecimento e a valorização da cultura Kaingáng, onde nessa base encontra-se o respeito aos nossos velhos, onde reside a sabedoria do povo Kaingáng.

Episódios de violência aberta e deliberada de caráter político interno na Terra Indígena Serrinha vem se estendendo por meses, acirrada com a morte do cacique Ronaldo Claudino em julho de 2020, ainda que muitas medidas tenham sido tomadas na forma de denúncias realizadas pelas vítimas desse atos, quer pela mídia, pelo clamor popular de indígenas durante esse tempo ou pelo acionamento jurídico e de direito contra essas forças, além do alerta junto a organizações como a Funai, Ministério Público Federal, Justiça Federal e outras tenha sido declarado, a violência e a truculência do poder político interno permanece se impondo na Terra Indígena Serrinha, onde a própria sede do INKA no local já mostra indícios de depredação.

O INKA é gerido exclusivamente por mulheres indígenas Kaingáng e dessa forma, por razões, inclusive de gênero, vem tornar público que membros do INKA, mulheres, idosas e crianças foram alvo das chamadas “transferências”, atos cruéis, coordenados a mando da liderança culturalmente corrompida do local onde indígenas são forçados a saírem de suas casas, abrindo mão de sua dignidade, muitos apenas com a própria roupa do corpo, com seus bens atirados em caminhões, debaixo de humilhações e sofrendo inclusive risco de morte, como de fato ocorreu em Serrinha nesta data.

Dentre os indígenas de Serrinha expulsos, está a presidente do INKA e coordenadora do Ponto de Cultura Kanhgág Jãre, a educadora indígena Andila Kaingáng, anciã do povo Kaingáng e uma das últimas matriarcas da grande família Inácio, que participou ativamente da retomada de Serrinha e que reivindica na justiça a concessão de medida de segurança a fim de retirar móveis e pertences pessoais como também da Organização Indígena que preside.

Também foram expulsos alguns integrantes da diretoria do INKA entre profissionais da Saúde, Direito, Educação, e artistas e artesãos que atuam em projetos desenvolvidos pela instituição e que contribuem em ações educativas em prol do povo Kaingáng há vários anos no local, entre mulheres, crianças e jovens como Vãngri Kaingáng, Siratan Katir, Susana Kaingáng, Fernanda Kaingáng, Tenh Inácio Sales, Arian Kãgfér, Camila Candinho, Joféj Candinho, Elisane Loureiro e outros.

No início de 2021, o INKA, juntamente com alguns destes indígenas, que em sua maioria trabalham com artesanato na Serrinha, estiveram realizando o trabalho “Expressões Culturais Tradicionais do Povo Kaingáng”, onde também estavam presentes muitos dos velhos que ainda sobrevivem guardando as tradições e valores Kaingáng, como a nossa anciã Alsira Inácio, que faleceu adoecida, pouco tempo depois na Terra Indígena Serrinha pelas pressões exercidas e agravadas pelos conflitos internos que poderiam ter sido evitados pela justiça, que no Brasil é falha e tardia.

Outros agentes culturais que integraram diversos trabalhos educativos do INKA sofreram agressões físicas, tendo sua liberdade privada na aldeia Serrinha, sofrendo espancamentos nas conhecidas “cadeias”, como o indígena chamado por Gueli, Valdir Mig Carvalho, artesão kaingáng na Terra Indígena Serrinha, preso no banheiro do ginásio da aldeia, usado como cárcere, nesta última quarta (13), junto com sua esposa Patrícia Candinho e Sidinei Inácio, também artesãos. Estes locais degradantes continuam a ser defendidos como culturais, inclusive recentemente pela liderança de Serrinha em discurso para mídia local, sustentando tal argumento perverso mesmo sendo convocado para explicar a morte de jovens indígenas Kaingáng queimados vivos na comunidade onde ele não reside.

O INKA, até mesmo em suas ações para distribuição de cestas básicas para o povo indígena da Serrinha durante a pandemia, inadmissível em uma terra com milhares de hectares em perfeitas condições de plantio, realizou as entregas sob o olhar de integrantes do poder político interno em tom perfurante.

O INKA, mesmo cerceado nesse tempo, permanece acreditando no poder transformador da cultura e da educação indígena e mesmo não atuando de maneira direta com temas como o combate à violência, crimes e outras formas de opressão que vem ocorrendo na Terra Indígena Serrinha, buscou de inúmeras formas, principalmente a partir de seus membros, redes de apoio, denúncias e toda espécie de ajuda para auxiliar os indígenas vítimas de toda a sorte de males no local.

É assim que o INKA vem manifestar-se, usando da publicação desta nota em sua página oficial na internet, para clamar por justiça e repudiar todos os atos de violência e morte contra indígenas do povo Kaingáng na Terra Indígena Serrinha, contra toda a forma de mal que vem sendo empregada, contra a corrupção de lideranças indígenas no lugar, contra a opressão à mulheres indígenas, idosos, crianças e homens que tem clamado por paz e pela divisão justa e equitativa das terras na aldeia Serrinha, onde o INKA tem se firmado pela força da educação e da cultura indígena Kaingáng, com uma atuação de frutos visíveis para todos aqueles que se dispuserem a buscar e acessar informações sobre o trabalho do INKA, que por meio do Ponto de Cultura Kanhgág Jãre, o 1⁰ Ponto de Cultura em uma Terra Indígena do Brasil, tem levado a cultura Kaingáng por onde vai, há quase 20 anos.

Gratidão a Topẽ que tem nos mantido vivas nesse tempo e lamentamos profundamente todos estes acontecimentos. Pedimos que compartilhem esta nota se assim desejarem.

Organização Indígena Instituto Kaingáng, 16 de outubro de 2021.


Nota do Cimi Regional Sul em repúdio às violências em terras indígenas

Os que arrendam as terras indígenas precisam ser responsabilizados pelos crimes e pelo incentivo, de fora para dentro das comunidades, à violência. Fechar os olhos para os crimes é avalizá-los

Arrendamentos da morte!

O Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Sul vem a público denunciar as práticas criminosas de arrendamentos de terras indígenas que desencadearam, nos últimos meses, uma série de violências em áreas Kaingang no Rio Grande do Sul.

Há registros de conflitos internos, em função dos arrendamentos, nas terras de Nonoai, Serrinha, Ventara, Carreteiro e Guarita.

Não se pode mais continuar tapando o sol com a peneira. Ou os órgãos de controle e fiscalização da lei agem ou se tornarão cúmplices da exclusão, da fome, do abandono e das mortes nas terras indígenas.

É chegado o momento de se reverter o quadro perverso de esbulho e violência e começar a identificar e processar os que se beneficiam da produção de soja transgênica dentro das áreas indígenas. São   grupos de pessoas que há décadas exploram os bens da União, terras que deveriam ser destinadas ao usufruto exclusivo dos povos. Os que arrendam as terras indígenas precisam ser responsabilizados por esses crimes e pelo incentivo, de fora para dentro das comunidades, à violência. Fechar os olhos para os crimes é o mesmo que avalizá-los.

O Cimi Sul repudia veementemente todas práticas de violência internas e externas. Mas esse dia, 16 de outubro de 2021, ficará marcado como um dos mais sombrios e cruéis da história recente dos povos originários. Há notícias de que quatro pessoas foram assassinadas, como resultado de um conflito interno, dentro da Terra Indígena Serrinha, município de Ronda Alta, no norte do Rio Grande do Sul. Muitas outras acabaram sendo espancadas, aprisionadas e tudo para saciar a saga do lucro e da ganância sobre os bens indígenas.

O Cimi Sul denuncia essa prática de esbulho e as violências contra a vida dela decorrentes.  Denuncia, também, a omissão e negligência, premeditada ou não, dos órgãos públicos que deveriam atuar no sentido de proteger os bens da União e manter em segurança as comunidades.

O Cimi Sul, diante da antipolítica indigenista que incentiva a exploração das áreas, se coloca de forma radical contra toda e qualquer perspectiva de uso das terras, seja por meio de arrendamentos, parcerias agrícolas ou outras formas de esbulho.

O Cimi Sul solidariza-se com as vítimas das violências, mas, especialmente hoje, repudia a covardia dos crimes e manifesta seus pêsames aos familiares daqueles que foram assassinados.

Há que se dar um basta aos arrendamentos, essas práticas que excluem, marginalizam e matam os filhos da mãe terra.

Chapecó, SC, 16 de outubro de 2021

Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul


A ABA solicita ações imediatas dos poderes públicos para conter a grave situação de violência na Terra Indígena Serrinha, RS

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), com sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI), vem a público manifestar a sua grande preocupação com a situação de extrema violência na Terra Indígena Serrinha, no Rio Grande do Sul. Esta semana nos chegou pelas mídias e por testemunhos de indígenas da região, notícias sobre uma escalada de ameaças de morte, que ao que consta culminou com os assassinatos de pelo menos três indígenas até este domingo, dia 17 de outubro.

Divulgou-se amplamente nas mídias sociais desesperados pedidos de socorro dos indígenas, muitos deles acompanhados de relatos sobre ameaças de morte, sem que nenhuma ação oficial tenha sido encaminhada para lhes assegurar a proteção necessária pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Ministério Público Federal (MPF) e/ou Polícia Federal (PF), apesar da situação de conflito já ser de amplo conhecimento de todas as instituições. E o que inicialmente eram ameaças materializou-se em mortes e um contexto de violências que dificilmente se estancará se não houver ações imediatas dos poderes públicos.

O pano de fundo destes conflitos se assenta em uma realidade permeada por ilegalidades em relação aos arrendamentos de terras indígenas para a produção extensiva de grãos, que se iniciou com o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), foi referendada pela FUNAI, e tem se intensificado com as políticas e ações do atual governo federal, para entregar as terras indígenas ao agronegócio. Esses arrendamentos realizados ilegalmente com empresários do agronegócio têm causado alta concentração de terra nas mãos de poucas famílias, alto grau de contaminação pelos insumos agrotóxicos, desmatamentos, comprometimento da autosustentação alimentar de parcelas da população, além de sucessivos conflitos entres os núcleos domésticos Kaingang, especialmente com aqueles núcleos que não aceitam e discordam dos arrendamentos.

A ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas solicitam dos órgãos competentes, Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Ministério Público Federal (MPF) e Política Federal (PF) que: (a) as instituições do Estado estejam presentes para garantir a segurança física e social dos indígenas na região; e (b) todas as ações ilegais sejam apuradas e os crimes esclarecidos com urgência. A Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que visite o local para apurar as responsabilidades dos órgãos do Estado em todo o processo.

Esperamos que a situação de ilegalidade atual seja estancada, de tal modo que os próprios Kaingang possam encontrar as suas formas próprias de resolução de conflitos. Solicitamos que o assédio e a violência constante bem como as pressões externas ameaçadoras e ilegais de particulares interessados nos arrendamentos não possam mais se manter a partir das garantias a serem oferecidas pelas instituições do Estado.

Brasília, 18 de outubro de 2021.

Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas – CAI