ANÚNCIO DE APROVAÇÃO DE CURSO E NOTA DE AGRADECIMENTO

25/08/2021 18:45

Dia 25 de agosto de 2021.

É com imensa alegria que hoje, dia 25 de agosto de 2021, comunicamos a aprovação de nosso Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica pela Câmara de Ensino de Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina! Nosso curso agora é permanente nesta universidade! A UFSC também é Indígena! Teremos em nosso curso entradas quadrienais, garantindo aos povos Guarani, Kaingang e Laklãnõ/Xokleng o acesso a um curso específico e diferenciado de formação de professores indígenas para suprir as demandas nas aldeias no fortalecimento dos currículos diferenciados de suas escolas, conforme garante a Constituição Federal de 1988 e legislação infraconstitucional.

Dia histórico para nós, pois é hoje também que está novamente em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) a retomada do debate e a votação sobre o “marco temporal”, em processo específico de análise da ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Laklãnõ/Xokleng, referente à Terra Indígena Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. O processo tem “repercussão geral” desde 2019, portanto, sua decisão servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito à demarcação de terras indígenas no país. Sua importância recai também sobre todas as propostas legislativas referentes aos direitos territoriais dos povos originários.
O eixo integrador de nosso curso de Licenciatura Intercultural Indígena é Territórios e
Conhecimentos Indígenas no Bioma Mata Atlântica – reforçando o nosso reconhecimento sobre a importância dos territórios para os povos originários e somando-se à luta por seus direitos territoriais.

Neste dia de luta e comemoração, agradecemos publicamente a todos, todas e todes na força conjunto em construir o curso de Licenciatura Indígena na UFSC nos últimos 10 anos, em que o nosso curso viu nossa rede crescer na UFSC. Contamos hoje com uma rede de treze Departamentos aos quais oferecemos nossa gratidão: História, Antropologia, Museologia, Direito, Ecologia e Zoologia, Geociências, Metodologia de Ensino, Estudos Especializados em Educação, Engenharia Sanitária e Ambiental, Psicologia, Libras, Artes, Língua e Literatura Estrangeira.
Também importante ressaltar nosso agradecimento à construção conjunta e ao apoio das Secretarias de Estado da Educação de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, ao PROLIND/MEC, à FUNAI.

Por fim, ressaltamos o esforço da direção do CFH, do Gabinete da Reitoria, do DEN, da PROGRAD e da Câmara de Ensino de Graduação nesta importante aprovação, tecendo junto com esta coordenação de curso e os 13 departamentos, cursos e docentes que atuam neste grande movimento que marca o compromisso institucional e pessoal em garantir uma universidade pública diversa para todos, todas e todes.

Coordenação da Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica

NOTA DE PESAR

16/08/2021 10:13

A equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, da Universidade Federal de Santa Catarina, vem a público manifestar seu sentimento de consternação quanto ao falecimento do SENHOR ALFREDO PATTÉ, LAKLÃNÕ-XOKLENG DA TERRA INDÍGENA LAKLÃNÕ, na data de 12 de agosto de 2021. Lamentável perda para a sua grande família e para o povo Laklãnõ-Xokleng.
O Senhor Alfredo Patté, ancião e sábio, era precisamente uma das últimas grandes referências de “ancestralidade viva” do povo Laklãnõ-Xokleng. Profundo conhecedor da cultura, foi muito procurado como interlocutor por nossas então alunas e alunos da primeira e segunda turmas para as pesquisas e Trabalhos de Conclusão de Curso e análises em geral.
Acir Caile Priprá, neto, ressaltou seus ensinamentos e conselhos, seu exemplo, relembrando outrora ter sido professor. Dignifica-o como herói. O neto Eliton Pique acentuou a trajetória de muita luta de seu avô pela garantia da terra. Foi notória a participação do Senhor Alfredo Patté nos trabalhos para identificação e delimitação da terra indígena, em 1998 (PEREIRA, Walmir da Silva (coord.). Laudo antropológico de identificação e delimitação de terra de ocupação tradicional Xokleng. História do contacto, dinâmica social e mobilidade indígena no sul do Brasil. Relatório referente as Portarias 923/PRES/97 e 583/PRES/98 – Grupo Técnico para reestudo da delimitação da TI Ibirama. Porto Alegre, FUNAI, 1998). A portaria declaratória do Ministério da Justiça foi assinada em 2003.

O Senhor Alfredo Patté também participou ativamente de debates a respeito da criação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica. Em 2007, por exemplo, integrava o grupo de reflexões a respeito na própria terra indígena, manifestando claramente o seu interesse e a importância da formação de professores Laklãnõ-Xokleng, visando o empoderamento de verdadeiras escolas indígenas a fortalecer os direitos culturais e territoriais do povo.

Uma significativa perda. Por demais lamentável as três partidas tão recentes: Nanblá Gakran, Aniel Priprá e Alfredo Patté, marcando sentimento de orfandade e saudade em muitos. Todavia, a trajetória segue adiante. Com tenacidade, perseverança e dignidade.

Expressamos nosso reconhecimento, valorização e pesar, junto com nosso profundo agradecimento por todo aprendizado e legado, a ser perpetuado.

 

Equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica.

UFSC, 13 de agosto de 2021.

Nota de Repúdio e Apoio ao Manifesto das Mulheres Indígenas do Brasil contra a barbárie cometida à jovem Daiane Kaingang, de 14 anos

05/08/2021 18:17

A Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina vem a público manifestar sua total indignação com o ato de extrema violência contra a vida da jovem Daiane Kaingang de apenas 14 anos. Daiane foi brutalmente violentada, assassinada e teve seu corpo dilacerado na tarde do dia 04 de agosto na Terra Indígena Guarita, Rio Grande do Sul. O crime praticado contra as mulheres indígenas é inaceitável e deve ser investigado e punido. A violência contra os povos indígenas e as mulheres indígenas em especial é um triste marco da história.
Basta de violência!
É preciso que todes lutem contra a violência e a favor da vida indígena.
Vidas indígenas importam!
Daiane Kaingang, presente!

Florianópolis, 05 de agosto de 2021.

Coordenação Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica
Universidade Federal de Santa Catarina
Juliana Salles Machado
Evelyn Schuler Zea
Maria Dorothea Post Darella
Natalia Hanazaki
Murilo Mariano

Manifesto das Mulheres Indígenas do Brasil contra a barbárie cometida à jovem Daiane Kaingang, de 14 anos

A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), viemos por meio deste manifesto repudiar e denunciar o crime de barbárie cometida na tarde desta quarta-feira (04), no Setor Estiva, da Terra Indígena do Guarita, no município de Redentora, contra a jovem de apenas 14 anos, Daiane Griá Sales, indígena Kaingáng, moradora do Setor Bananeiras da Terra Indígena do Guarita. A jovem Daiane foi encontrada em uma lavoura próxima a um mato, nua e com as partes inferiores (da cintura para baixo) arrancadas e dilaceradas, com pedaços ao lado do corpo.

Temos visto dia após dia o assassinato de indígenas. Mas, parece que não é suficiente matar. O requinte de crueldade é o que dilacera nossa alma, assim como literalmente dilaceraram o jovem corpo de Daiane, de apenas 14 anos. Esquartejam corpos jovens, de mulheres, de povos. Entendemos que os conjuntos de violência cometida a nós, mulheres indígenas, desde a invasão do Brasil é uma fria tentativa de nos exterminar, com crimes hediondos que sangram nossa alma. A desumanidade exposta em corpos femininos indígenas, precisa parar!

Estamos aqui, reivindicando justiça! Não deixaremos passar impune e nem nos silenciarão. Lutamos pela dignidade humana, combatendo a violência de gênero e tantas outras violações de direitos. As violências praticadas por uma sociedade doente não podem continuar sendo banalizadas, naturalizadas, repleta de homens sem respeito e compostura humana, selvageria, repugnância e macabrismo. Quem comete uma atrocidade desta com mulheres filhas da terra, mata igualmente a si mesmo, mata também o Brasil.

Mas saibam que o ÓDIO não passará! Afinal, a violência praticada não pode passar impune, nossos corpos já não suportam mais ser dilacerados, tombado há 521 anos. Que o projeto esquartejador empunhado pela colonização, violenta todas nós, mulheres indígenas há mais de cinco séculos.

Somos 448 mil Mulheres Indígenas no Brasil que o estrupo da colonização não conseguiu matar e não permitiremos que a pandemia da violência do ódio passe por cima de nós.
Parem de nos matar! A cada mulher indígena assassinada, morre um pouco de nós.

Vidas indígenas importam. Gritaremos todos os dias, a cada momento, vidas indígenas importam. E a vida de Daiane importa. Importa pra sua família, para seu povo. Importa para nós mulheres indígenas.

Somos todas Daiane Griá Kaingang!
Exigimos justiça!

Assinam o manifesto: ANMIGA – APIB – ARPINSUL

Leia nota completa da Anmiga (@anmiga): https://bit.ly/JustiçaDaiane

NOTA DE PESAR

27/06/2021 16:02

A Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC comunica com profundo pesar a partida do prof. Dr. NANBLÁ GAKRAN no dia 26/06/2021.
A vida se extinguiu aqui, a passagem se fez num de repente. O choque, a dor, a ausência se estabeleceram e permanecerão na família, na aldeia, na terra indígena, na educação escolar indígena Laklãnõ/Xokleng, na universidade e em muito mais.
A trajetória foi tanto árdua quanto de muitas conquistas do defensor pioneiro de luta pela valorização da Língua Laklãnõ/Xokleng.
A Licenciatura Indígena da UFSC presta sua homenagem ao professor de Lingua Laklãnõ-Xokleng da primeira e segunda turmas do Curso. O empenhado professor doutor em Linguística pela UnB, orgulho do povo Laklãnõ-Xokleng, dos povos indígenas no Brasil.
A Licenciatura Indígena da UFSC se solidariza e deseja conforto, serenidade e força aos filhos e familiares.

Utate, Nanblá!

Equipe de Coordenação do Curso Licenciatura Indígena e demais Coordenações anteriores.

27 de junho de 2021.

Nota de repúdio à homenagem feita a Natale Coral, assassino de indígenas (que “trazia a orelha dos índios na salmoura, só pro riso”)

03/02/2021 10:31

 

 

A equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC recebeu com indignação a notícia que na noite de 28 de dezembro de 2020, Nova Veneza, cidade sul catarinense, inaugurou uma praça em homenagem a seu fundador, Natale Coral.

Nascido na Itália em 1859 e falecido no Brasil em 1911, Natale Coral é figura reconhecida em Nova Veneza, por sua fundamental contribuição à formação da colônia.
De acordo com o Portal Veneza (portalveneza.com.br) a obra será completada com um memorial, duas rosas dos ventos e “Na parte superior, na posição vertical uma baliza topográfica em forma de flecha, representará o povo indígena que vivia nestas terras.”
Em um momento histórico no qual  pelo mundo todo vemos a remoção e o questionamento acerca de monumentos em homenagem a  ditos “heróis”, responsáveis por atos genocidas do passado, ao receber a notícia desta homenagem nos perguntamos: Por que? Para que? A homenagem a Natale Coral em praça pública nos parece um negacionismo histórico dos crimes cometidos pelo fundador, e nos provoca novamente o questionamento sobre o lugar dos ditos “heróis” na nossa sociedade atual. A referência genérica a um povo indígena colocado no passado é mais um indício da continuidade da disseminação de visões racistas. A flecha equivale a uma enevoada lembrança do passado da região? Indígenas? Qual povo indígena?

Trata-se daqueles que os imigrantes e seus descendentes denominaram pejorativamente como bugres. Trata-se, em realidade, dos Laklãnõ-Xokleng, povo caçador, pescador, coletor, que à época vivia em grupos num imenso território de ocupação abrangendo desde o Rio Grande do Sul ao Paraná. Sim, eram ocupantes que antecederam os imigrantes desbravadores do sul catarinense e que atualmente vivem no Alto Vale do Itajaí e norte do Estado, nas Terras Indígenas Laklãnõ e Rio dos Pardos. São um povo com história de longa duração.

E que associação há entre Natale Coral e indígenas que o município quer que sejam lembrados na praça em sua homenagem?

Relatos e registros enunciam que o homenageado era um dos “bugreiros”, caçadores de índios, figuras que protagonizaram horror e morte nos acampamentos Xokleng, entre fins do século XIX e início do século XX. Essa conduta bárbara não condiz com civilidade, com humanismo. Não condiz com homenagem póstuma. Praças, estátuas, bustos são formas de solidificar símbolos e assim dar continuidade a memórias, fortalecendo visões e narrativas históricas. Os fatos históricos não mudam, mas nós podemos mudar quem escolhemos como heróis para o nosso presente e para o nosso futuro.

Escreveu o professor historiador e antropólogo Silvio Coelho dos Santos, da UFSC, referência na Etnologia Indígena brasileira, sobretudo a partir de suas pesquisas junto aos Xokleng a partir da década de 1960, falecido em 2008: “No sul do Estado, Natal Coral, Maneco Ângelo e um tal Veríssimo, entre outros, tornaram-se famosos como líderes das ‘batidas’ e pela violência com que assaltavam os acampamentos dos índios” (SANTOS, 2007, p. 75). Relatou Ireno Pinheiro, famigerado “bugreiro” que atuou em outras regiões de SC, como Santa Rosa de Lima: “Besteira foi o que fez o Natal Coral. Quando voltava de uma batida, trazia a orelha dos índios na salmoura, só pro riso. Mas depois os colonos só queriam pagar com a prova das orelhas, e ele se aborreceu, parou até que os índios já estavam ficando cada vez mais raros” (SANTOS, 2007, p. 118).

Do livro do Padre João Leonir Dall’Alba, intitulado Histórias do Grande Araranguá, advém informações de moradores de Nova Veneza por ele entrevistados nas décadas de 1970 e 1980. Seguem memórias de dois deles – José Gava e Marino Gava. Segundo José Gava, 85 anos, entrevistado em 1978: “Dizem que o local onde encontraram os bugres foi lá perto de Palermo. Trouxeram um saquinho de orelhas. Talvez é demais, mas… Também naquela vez trouxeram dois filhotes. Prático caçador e chefe de turma era o Natal Coral. Esse foi flechado nas costas, mas a flecha só atingiu o saco de roupa que ia carregando, uma mala do tempo antigo.” (DALL’ALBA, 1997, p.383). De acordo com Marino Gava, 73 anos, entrevistado em agosto de 1986: “De caçador de índios só sei do Coral.  Só numa vez teria matado cem índios, trazendo duzentas orelhas para o diretor da Empresa de Nova Veneza. Como tinham combinado 2 mil réis por orelha a Empresa Nova Veneza deveria dar-lhe a fortuna de 400 mil réis. Para não pagar foi ameaçando: ‘Fiquem quietos. Isto é proibido. Se o governo souber vocês vão todos para a cadeia.’” (DALL’ALBA, 1997, p. 389).

Há ainda outros nomes de bugreiros, como Zé Domingo e Martinho Marcelino de Jesus (conhecido como Martin Bugreiro), este último lembrado e temido no Vale do Itajaí. Seus próprios relatos são aterrorizantes, inconcebíveis, inadmissíveis, a expressar verdadeiro genocídio.

Temos, portanto, uma nova praça em Nova Veneza que comemora um “bugreiro”. São estes símbolos, estas memórias que os cidadãos e turistas que chegam em Nova Veneza querem carregar para o seu futuro? Visões de genocídio, visões racistas? Temos um povo indígena que tenazmente sobrevive, lembrando o que os antepassados relataram sobre os bugreiros. E temos, a rigor, um novo tempo a solicitar reconhecimento da história e atiçamento da memória. A requerer indignação, revolta e austeridade frente aos fatos, à atrocidade. Qual patrimônio histórico queremos referenciar para o nosso futuro?

É tudo e nada. Tudo a aprender e se posicionar. Nada a se omitir e negligenciar.

 

 

Equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina.

Fevereiro de 2021.

 

 

Referências bibliográficas

DALL’ALBA, João Leonir. Histórias do Grande Araranguá. Araranguá (SC): Gráfica Orion Editora, 1997.

SANTOS, S. C. dos. Ensaios oportunos. Florianópolis: Academia Catarinense de Letras, 2007.